terça-feira, 23 de março de 2010

Bullying e Cyberbullying: As Diferenças


Por Tito de Morais

O programa "Falar Global", na SIC Notícias, dedicou a última edição ao bullying na Internet, um tema sobre o qual ando a falar desde 2003. A este propósito parece-me importante acrescentar alguma informação relevante para percebermos a diferença entre bullying e cyberbullying.
Reginaldo Rodrigues de Almeida introduziu o programa classificando o bullying como "uma forma dos mais fortes exercerem pressões psicológicas e até físicas sobre os mais fracos" e que já chegou à Internet. É verdade, mas pelas características próprias deste fenómeno e como forma de o diferenciar de outra formas de bullying, na Internet o fenómeno é conhecido por cyberbullying. Dado o programa não distinguir claramente o bullying do cyberbullying, utilizando ambos os termos algo indiscriminadamente, pareceu-me importante escrever este artigo para que possamos perceber as diferenças.


Nem Sempre Maiores, Mais Velhos e Mais Fortes

Para além da diferença óbvia de, contrariamente ao bullying presencial, o cyberbullying ocorrer através das tecnologias de informação e comunicação (TIC), uma distinção importante é que no cyberbullying, contrariamente ao que a introdução de Reginaldo Rodrigues de Almeida refere, o agressor (o bully) não precisa de ser maior ou mais forte que as suas vítimas. Este aspecto escapou também a Eduardo Sá, o conhecido psicólogo convidado do programa, ao responder à primeira pergunta que lhe é colocada, sobre o que o motiva os potenciais agressores. De facto, enquanto no bullying presencial a vítima é geralmente mais nova ou mais fraca - física ou psicologicamente - que o agressor, no cyberbullying nem sempre é assim.


"Longe da Vista, Longe do Coração"

Outro aspecto relevante segundo o qual o cyberbullying difere do bullying presencial é que no primeiro, como referi, as acções do agressor têm lugar através das TIC, o que faz com que não presencie de forma imediatamente tangível os resultados das suas acções na vítima. Daqui resulta que o agressor não vê de imediato o mal que causou, as consequências dos seus actos, o que minimiza quaisquer eventuais sentimentos de remorso ou empatia para com a vítima que pudesse vir a sentir em resultado dessa constatação. Esta realidade cria, assim, uma situação em que as pessoas podem fazer e dizer coisas na Internet que seriam muito menos propensas a dizer ou fazer presencialmente. Exemplos que ilustram, de forma excelente, o que acabo de dizer são dois vídeos educativos (infelizmente em inglês), produzidos no âmbito de uma campanha de combate ao cyberbullying nos Estados Unidos da América.


Motivação dos Agressores

Ainda a propósito da compreensão das motivações do comportamento dos agressores, da minha experiência este tipo de comportamentos pode ser motivado por razões tão vulgares quanto o facto de uma rapariga não prestar a atenção que um pretendente acha que merece, um namorado procurar vingar-se da namorada que pôs um ponto final ao namoro, uma rapariga invejosa do sucesso ou popularidade de uma colega, etc. Outras vezes, tratam-se de brincadeiras de mau gosto que no mundo físico aconteceriam uma única vez e seriam esquecidas, mas que devido à persistência, pesquisabilidade e replicabilidade dos conteúdos e invisibilidade das audiências, na Internet adquirem uma dimensão imparável e desproporcional.


Acções Episódicas, Tornam-se Persistentes

Estes últimos aspectos (persistência, pesquisabilidade, replicabilidade e invisibilidade), foi algo que escapou a Eduardo Sá, o conhecido psicólogo convidado para o programa, ao responder à pergunta sobre se o cyberbullying poderia conduzir à morte. De facto, as acções episódicas não constituem bullying, dado que este se caracteriza por acções repetidas ao longo do tempo. No entanto, em resultado da persistência, pesquisabilidade, replicabilidade e invisibilidade já referidas, aquilo que pode aparentar ser episódico, na Internet é na realidade repetido ao longo do tempo. Um exemplo que ilustra o que afirmo é o caso do Star Wars Kid, tema do primeiro artigo em que abordei o cyberbullying.

Acções Entre-Pares

Uma das características que distingue o bullying do simples assédio, da agressão, difamação, humilhação, ou perseguição é o facto de apenas se considerar como actos de bullying as acções que têm lugar entre pares. À luz deste princípio, actos em que as vítimas são os professores mas os agressores são crianças, ou vice-versa, não se consideram bullying. Dependendo do acto em si, poderão configurar qualquer uma das situações acima referidas (assédio, agressão, etc.) e muitas outras, tais como coacção, chantagem, manipulação, etc. Já as situações em que agressores e vítimas são ambos professores, podem configurar um tipo particular de bullying, o bullying no local de trabalho, sendo no entanto que o termo bullying, apesar de se poder aplicar a contextos diversos, se aplica cada vez de uma forma mais generalizada ao bullying escolar onde as vítimas e os agressores são crianças e jovens. Outro aspecto relevante é que dado o anonimato proporcionado pela Internet, é muitas vezes difícil afirmar categoricamente se agressores e vítimas são pares. Por esta razão, no cyberbullying, este não é um facto considerado relevante pela generalidade dos investigadores podendo-se, no entanto também falar de ciber assédio, ciber perseguição, etc.

E Antes da Internet?

A confusão entre bullying e cyberbullying surge novamente quando Reginaldo Rodrigues de Almeida questiona Eduardo Sá sobre se estes comportamentos existiam também antes da Internet. Tal é verdade com o bullying, mas o cyberbullying surge apenas com a proliferação das TIC, manifestando-se e propagando-se por meios que até aí não existiam. As características das TIC em geral e da Internet e particular, potenciam assim, de facto, este tipo de fenómenos que têm vindo a assumir dimensões cada vez mais preocupantes em resultado da elevada penetração das TIC na população em geral, e nas crianças e nos jovens em particular.

Acções em Diferido

A terminar as comparações entre bullying e cyberbullying, parece-me ainda relevante sublinhar que, enquanto geralmente o bullying é presenciado por testemunhas/observadores no momento em que acontece, o mesmo geralmente não acontece com o cyberbullying, que ocorre geralmente a coberto do anonimato, deixando assim as vítimas ainda mais vulneráveis ou desprotegidas. Acresce ainda que, enquanto a casa constitui geralmente um refúgio onde a vítima de bullying está geralmente a salvo das acções do agressor, tal não acontece com o cyberbullying, onde até em casa a vítima não está a coberto das acções do agressor. Seja ao abrir uma mensagem de correio electrónico, de Instant Messaging, ao receber um SMS, ao consultar um fórum ou uma simples página web.

E os Valores?!

À pergunta sobre de que maneira os encarregados de educação podem estar mais despertos para esta realidade, Eduardo Sá revela o melhor da sua intervenção, se bem que se desvie um pouco do tema acabando por se esquecer de referir que o bullying e o cyberbullying são sobretudo uma questão de carácter e que, como tal, todas as notícias sobre o tema devem ser aproveitadas por pais e professores como ponto de partida para conversas e discussões em torno dos valores que a família e a escola considera importantes e como estes valores podem ter uma influência positiva nestes fenómenos.

Soundbytes

O programa conclui com uma série de excelentes "soundbytes" nos quais Eduardo Sá se revela especialista e que decididamente valem a pena escutar pela voz do próprio, com o devido enquadramento. Mas pena que tenha perdido uma excelente oportunidade de enunciar alguns passos concretos que o Ministério da Educação e as escolas podem começar a tomar, já hoje, para combater este tipo de fenómenos.

De facto, como conclui o programa, a surdez apontada por Eduardo Sá pode (?) levar ao crescimento exponencial do cyberbullying. Coloco o ponto de interrogação, porque em Portugal, se já existem estudos sobre o bullying escolar, sobre o cyberbullying não existem estudos e como já tenho dito, enquanto tal não acontecer, politicamente é como se o problema não existisse.

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